domingo, 9 de junho de 2013

Reinaldo Azevedo

Repassando.


21/04/2013
 às 11:58

E não é que os homens maus estavam certos, enquanto os bonzinhos
geravam fome, pobreza e prostituição? Título forte, né? Então leiam.

Em janeiro de 2009, Marcelo Coelho, colunista da Folha, escreveu um
artigo para denunciar — o verbo é esse mesmo — quatro colunistas da
imprensa brasileira: Luiz Felipe Pondé e João Pereira Coutinho (da
própria Folha), Demétrio Magnoli (Estadão e Globo) e Reinaldo Azevedo,
eu mesmo. Ele nos acusava de destruidores da esperança alheia, de
pessimistas, de sombrios. Sugeria até que éramos (seremos ainda?)
coniventes com o massacre de criancinhas. Escreveu ainda: “Mas é um
time e tanto, e minha experiência pessoal com a violência do ser
humano, adquirida nos pátios de recreio do ginásio, é suficiente para
não querer polemizar com alguns deles.” Não sei se os outros
responderam. Acho que não. Eu respondi. E notei, então, que nem daria
um tapão na sua orelha nem puxaria o elástico da sua cueca, algumas
das brincadeiras imbecis e violentas que moleques fazem no recreio com
aqueles que escolhem para vítimas. Mas essa lembrança vem a propósito
de quê?
Em 2009, um dos debates que se travavam no Brasil tinha como objeto a
reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima. Eu estava entre aqueles
poucos na imprensa (ignoro a posição, nesse caso, dos outros três
homens maus citados por Coelho), como sabem os leitores mais antigos
(e poderão constatar no arquivo os mais recentes), que alertavam para
o desastre que implicaria a eventual expulsão dos arrozeiros da
região. Lembrei em dezenas de artigos que:
– o “homem branco” já estava naquela área havia quase 200 anos;
– a expulsão dos não-índios implicaria a decadência econômica da área,
uma vez que eram eles que administravam as fazendas de arroz;
– que essas fazendas ocupavam menos de 1% da reserva e empregavam
farta mão de obra indígena;
– que os indígenas já não viviam mais como seus antepassados;
– que a expulsão dos não-índios era uma reivindicação de uma minoria
de índios, mobilizados por ONGs financiadas por entidades
estrangeiras, como a Fundação Ford, e por radicais do Conselho
Indigenista Missionário;
– que haveria uma debandada de índios, uma vez que não viviam nem da
caça nem da pesca, como no idílio inventado pelas ONGs e pelo ministro
Ayres Britto, relator do caso no Supremo — é um bom homem, mas se
equivocou estupidamente nesse caso por excesso de  (má) poesia…
Tudo inútil! Venceu a tese da expulsão dos não-índios da região. O STF
ainda criou 19 condicionantes para aquela demarcação e para as futuras
(que a Funai e seus associados tentam hoje derrubar), mas atendeu à
reivindicação essencial de uma minoria de índios. Se bem se lembram, a
Polícia Federal baixou na região e algemou fazendeiros.
De volta a Coelho
Naquele texto em que Coelho identificou a gangue dos quatro homens
maus da imprensa, ele nos censurou também por causa de Raposa Serra do
Sol, deixando claro que estávamos do lado errado. Fazendo troça do que
seria a nossa opinião, ele ironizou, como se capturasse o nossa fala
ou, narrador onisciente, adivinhasse o nosso pensamento:
“Você quer que se preservem as reservas indígenas da Amazônia? Mais um
risinho: os militares brasileiros entendem mais do problema que você,
que pensa ser bonzinho, mas é tão malvado como todos nós.”
Notem que Coelho nos acusa de ter um registro, digamos, meio
apalhaçado da realidade. Ele está tão convencido da impossibilidade de
se pensar algo distinto do que ele pensa e de tal sorte se considera
dono do bom senso que chega a supor que, como diz a meninada hoje em
dia, os quatro malvados escrevem apenas para… causar!!! “Causar”,
leitor, nessa construção, é verbo intransitivo.
De volta a Raposa Serra do Sol
Em maio de 2011, VEJA publicou uma reportagem demonstrando que todas
aquelas antevisões deste escriba mau e reacionário estavam se
cumprindo. Índios aos montes já moravam em favelas na periferia de Boa
Vista. Haviam abandonado a reserva.
Dois anos depois, chegou a vez de a Folha fazer a sua reportagem sobre
as consequências daquela decisão do Supremo. A situação só fez piorar.
Mais índios estão morando em favelas e lixões. Índias viraram
prostitutas. Sílvio da Silva, líder de uma das etnias, acusa a Funai:
“Eles [A Funai] querem que o índio volte a viver no passado, como
viveram os nossos, que tinham raiz e usavam capemba de buritis
[adereço] no pé, a bunda aparecendo. Hoje não, não quero fazer isso.”
Leiam a reportagem de Erich Decat, publicada ontem na Folha. Volto em
seguida.
*
Quatro anos após o Supremo Tribunal Federal determinar que a área de
Raposa Serra do Sol era uma reserva indígena e que os “brancos” teriam
de ir embora, a energia elétrica finalmente chegou ao barraco de
madeira de dois quartos do líder da etnia macuxi Avelino Pereira. Ele
mora com a mulher, filha e neta lá. Mas seu barraco, contudo, está a
cerca de 180 km da comunidade da Raposa Serra do Sol em que residiu
boa parte de sua vida. Hoje Pereira vive em Nova Esperança, uma
invasão na periferia da capital de Roraima, Boa Vista, situação que
ilustra o que ocorreu com parte da comunidade indígena após a
demarcação.
“Hoje a realidade [em Raposa Serra do Sol] está ai, não tem uma
agricultura melhor, não tem estrada boa, saúde boa. Se alguém disser
que está boa, é mentira”, diz Pereira, 50 anos, acostumado com a vida
próxima a cerca de 340 famílias de produtores rurais que tiveram que
deixar as terras para cerca de 20 mil índios após a decisão do STF.
No município de Cantá à 38 km de Boa Vista, outro líder indígena,
Sílvio da Silva, faz coro e fala sobre uma “maldição da Raposa”. “Hoje
temos vários indígenas ‘saídos’ [da reserva] para procurar melhora de
vida”, diz Silva, ex-presidente da Sociedade de Defesa dos Índios
Unidos do Norte de Roraima. Entre os principais alvos das queixas está
a própria Funai (Fundação Nacional do Índio). “Eles querem que o índio
volte a viver no passado, como viveram os nossos, que tinham raiz e
usavam capemba de buritis [adereço] no pé, a bunda aparecendo. Hoje
não, não quero fazer isso.”
No percurso de carro de Cantá a Boa Vista, o indígena comenta: “Pena
que estamos com pouco tempo, queria ir lá no lixão para te mostrar”.
Ao longo da BR-174 está Venâncio, um macuxi de fala mansa. Ele
trabalha num lixão à beira da estrada, cercado por urubus, tratores e
o mau cheiro. Consegue de R$ 20 a R$ 30 por dia. “Essa realidade do
lixão ela começa hoje em Roraima em escala pequena, mas a tendência é
que se não fizermos nada vai crescer”, diz o governador de Roraima,
José de Anchieta (PSDB).
Com a chegada da noite em Boa Vista, surge outra face da busca por
sobrevivência de indígenas nas periferias: a prostituição. No bairro
Asa Branca, algumas mulheres conversam com vestidos curtos e
maquiagens carregadas, vozes abafadas pela música alta do grupo
Calcinha Preta.
Entre elas, Menezes, 26, que há seis meses começou a trabalhar no
estabelecimento como garçonete. Agora, virou prostituta e diz ganhar
R$ 300 por dia. Segundo o IBGE, a renda média mensal na região, na
faixa etária de Menezes, é de R$ 954. “Estou aqui porque preciso pagar
minhas contas”, diz ela, que morava em Uiramutã, comunidade em que ela
nasceu na reserva. A Funai não se pronunciou sobre a situação da
reserva.
Os produtores rurais, por sua vez, migraram para outros Estados e para
a Guiana. Dono de duas fazendas na área, Paulo Cesar Quartiero
(DEM-RR), hoje tem fazenda na ilha de Marajó, no Pará. O deputado, que
chegou a ser preso durante o processo de retirada de produtores, faz
parte da Comissão de Integração Nacional da Câmara que se reuniu em
Boa Vista com agricultores e índios para discutir a situação da
região. Pequenos produtores também vivem dificuldades. “O governo
prometeu que ia dar uma casa, um poço artesiano e não deu nada”, diz
Wilson Alves Galego, 72.
Voltei
Coelho me achava um “pessimista sombrio” em relação a Raposa Serra do
Sol e, muito provavelmente, um reacionário, a favor da destruição da
natureza. Eu, ora vejam!, só pensava coisas óbvias como: “Os
arrozeiros ocupam 1% da reserva apenas e empregam muitos índios,
oferecendo-lhes condições dignas de vida. Se saírem de lá, a área que
volta para o controle da reserva é irrelevante, mas o custo social
será gigantesco”. Não me parecia, assim, algo muito reacionário, né?
Ao contrário, eu me considerava até bastante humanista ao me preocupar
com a equação econômica.
Pois é… O fatal aconteceu. As ONGs que lutaram para expulsar os
arrozeiros não estão nem aí; a Fundação Ford, que as financia, não
está nem aí; a Funai não está nem aí; Ayres Britto não está nem aí; o
STF não está nem aí; Marcelo Coelho não está nem aí…
“E você, Reinaldo?” Eu? Não escrevi o que escrevi com o intuito de
parecer bom ou mau. Nunca penso nisso quando exponho uma opinião.
Achei que a saída do arrozeiros geraria desemprego, fome e pobreza. E
a saída dos arrozeiros gerou desemprego, fome, pobreza e prostituição.
Coelho não me deve desculpas, claro! Talvez as deva a seus leitores e
certamente àqueles pobres desgraçados. Não que ele tenha tido qualquer
responsabilidade objetiva na decisão. Fez parte da plateia que
aplaudiu e tentou demonizar as poucas vozes divergentes — demonização,
no caso, de minoria, o que é uma coisa muito feia quando essa minoria
está apenas participando do debate democrático.
Por Reinaldo Azevedo
Tags: índios, Marcelo Coelho, Raposa Serra do Sol
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PB

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